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Marly Arruda Camargo
Marly Arruda Camargo
Quem é Jesus para o Espiritismo?
O próprio Allan Kardec define na questão 625 de O Livro dos Espíritos: “Jesus constituiu o tipo de perfeição moral a que a humanidade pode aspirar na Terra. Deus nos ofereceu Jesus como o mais perfeito modelo, e a doutrina que ensinou é a expressão mais pura de sua Lei, porque sendo Ele o mais puro de quantos tem aparecido na Terra”. Está claro: Jesus é o Mestre maior e tudo o que Ele fazia expressava um amor tão real e profundo que a humanidade nunca houvera sentido.
Quando Jesus nos ensinou, em seu Maior Mandamento, Amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos, estava nos despertando que o fundamental, em se tratando do exercício da religiosidade, é amar. Além disso, neste ensinamento se encontra a expressão mais completa da caridade, pois nele resume todos os deveres do homem para com o próximo, deixando bem claro a melhor maneira de se combater o orgulho e o egoísmo.
Destaco dois importantíssimos ensinamentos de Jesus para nossa reflexão: em Mateus 22:23-40, Jesus nos disse: “Ama o teu próximo como a ti mesmo”. Já no Evangelho de João, 13:34, Jesus se expressa desta forma: “Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros como eu vos amei”.
Então, pergunto aos leitores:
– Será que existe alguma diferença entre estes dois ensinamentos de Jesus? Ou Ele quis dizer a mesma coisa em momentos diferentes?
Pois bem, sabemos que ninguém mais do que Jesus ensinou, semeou e exemplificou o amor. Sua palavra era muitas vezes alegórica e em Parábolas (histórias), porém com grandes fundamentos morais. Isto ocorria porque Ele falava de acordo com os tempos e os lugares, pois sabia que cada coisa deveria ser entendida ao seu tempo.
Assim sendo, analisemos uma de suas Parábolas, de acordo com o nosso contexto, “A Parábola do Semeador”. Cairbar Schutel, em seu livro “Parábolas e Ensinos de Jesus”, refere-se a ela como a Parábola das Parábolas, na qual Jesus mostra o momento evolutivo de cada um ao receber seus preciosos ensinamentos.
Nesta Parábola, Jesus sintetiza as características predominantes em todas as almas e, ao mesmo tempo, reflete a boa ou má vontade que as pessoas recebem os seus ensinamentos.
Senão, vejamos:
“Saiu aquele que semeia a semear; e enquanto semeava, caiu ao longo do caminho um pouco de semente, e os pássaros do céu vieram e comeram-na. Uma outra quantidade caiu nas pedras, onde não havia muita terra; e logo germinou, pois a terra onde estava não era muito profunda. Mas queimou-se com o sol, pois tinha acabado de nascer; e, como não tinha raízes, secou. Outra igualmente caiu nos espinhos, e os espinhos cresceram e afogaram-na. Uma outra, enfim, caiu na boa terra que dava futos, havendo grãos que rendiam cem por um, outros sessenta e outros trinta.
Que ouça aquele que tem ouvidos para ouvir” (Mateus, 13:1-9).
Agora vamos procurar entender, por partes, esta Parábola, que, apesar de muito conhecida, muitas vezes não é bem compreendida.
O Semeador, todos sabemos, é Jesus. As sementes, está claro, são os seus ensinamentos, que têm sido levados em toda a parte, desde que o homem se encontrou em condições de recebê-los.
Se a semente não germina com a mesma eficácia em todos, é devido ao momento evolutivo de cada Espírito. Uns estão mais adiantados, outros mais atrasados; uns, propensos ao bem, à caridade, à fraternidade, ao amor. Outros, propensos ao mal, ao egoísmo, ao orgulho.
Aqui podemos também fazer uma analogia à Lei de Amor, que se encontra no Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo XI, item 8, que diz assim:
“O amor é o sentimento que acima de tudo resume, de forma completa, a doutrina de Jesus, e os sentimentos são os instintos que se elevam de acordo com o progresso realizado. Na sua origem o homem possui instintos; mas avançado possui sensações; mais instruído possui sentimentos. No ponto mais delicado e evoluído dos seus sentimentos surge o amor.”
Aqui, da mesma forma, a semente só germina de acordo com a evolução espiritual de cada um. Por exemplo, aquelas pessoas em que os instintos dominam, podem até receber os ensinamentos do Mestre, mas ainda não os compreenderão.
E a terra, o que representa? Como já falamos, representa o estado intelectual e moral de cada um no momento que recebe os ensinamentos de Jesus.
Assim, aquela semente que caiu à beira do caminho e os pássaros comeram refere-se aos indiferentes, isto é, aos indivíduos imaturos, não preparados para receber tal semeadura. Seus corações se mostram insensíveis a qualquer apelo de ordem mais elevada.
Em seguida, estão as sementes que caíram sobre as pedras, significando aqueles que até se entusiasmam quando tomam conhecimento dos ensinamentos do Mestre, mas não encontram força interior para vencerem o comodismo, os vícios que estejam cristalizados, sendo incapazes de melhorar seus sentimentos. Não conseguem formar raízes.
Em terceiro lugar, estão as sementes que caíram no meio dos espinhos. Representam as pessoas que, embora já tenham conhecimento dos ensinamentos de Jesus e os admiram, sentem-se muito presas às coisas materiais, que consideram muito mais importantes que a formação de uma consciência espiritual.
Esta é uma grande reflexão, especialmente para os dias atuais. O medo do futuro, a posse do ouro, a luta pela conquista das garantias pessoais, o apego desequilibrado, sufocam, no nascedouro, qualquer sentimento que implique em renúncia aos tesouros terrestres, fazendo-nos esquecer do grande amor do Mestre para com todos nós. Neste caso, o fruto não amadurece.
Por último, entende-se como “terra boa” os adeptos sinceros, nos quais as lições de Jesus encontram grande receptividade. Abraçam o ideal cristão de corpo e alma e se esforçam para coloca-lo em prática. Embora encontrem dificuldades, essas pessoas persistem, resultando de seu trabalho abençoados frutos.
Na prática, muitas vezes tomamos conhecimento dos ensinamentos de Jesus e queremos, a todo custo, que nossos familiares, amigos, também se entusiasmem e compreendam como Jesus nos dedica o seu grande amor, mas a Parábola do Semeador é bem clara: não podemos nos afligir. No momento certo, a terra estará preparada e a semente germinará!
Aqui foi feita apenas uma pequena síntese para as nossas reflexões. Podemos retirar muitos outros ensinamentos ao analisarmos, com detalhes, esta importantíssima Parábola, na qual se destaca a figura do maior exemplo de amor para toda a humanidade.
Vamos analisar agora as indagações que fizemos no início. Será que existe alguma diferença entre esses dois ensinamentos de Jesus? Primeiro: “ama o teu próximo como a ti mesmo”. Segundo: “que vos ameis uns aos outros como eu vos amei?” Ou ele quis dizer a mesma coisa em momentos diferentes?
No livro “Caminho, Verdade e Vida” – Francisco Cândido Xavier – Emmanuel, vamos encontrar interessante análise sobre estes questionamentos.
No capítulo 41 intitulado Regra Áurea, ele inicia a reflexão com o “amarás a teu próximo como a ti mesmo”, trazendo, ao mesmo tempo, uma explicação. Muitos séculos antes da vinda do Cristo já era ensinada no mundo a regra áurea, princípio trazido por sábios de cada época, mas sem maiores exemplificações.
Assim, os gregos diziam “Não façais ao próximo o que não desejais receber dele”. Afirmavam os chineses “O que não desejais para vos, não façais a outrem”. É considerada sabedoria egípcia:
“Deixai passar aquele que fez aos outros o que desejava para si”. E os hebreus também recomendavam: “O que não fizerdes para vós, não desejeis para o próximo”.
Os persas, os romanos, também faziam estas mesmas afirmativas. Porém, com o Mestre, a Regra Áurea foi a novidade divina, porque Jesus a ensinou e exemplificou em plenitude, de trabalho, abnegação e amor a toda a humanidade.
Vejamos, agora, a segunda orientação, que diz: “Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei”. A leitura mais superficial nos induziria a sentir, nestas palavras de Jesus, o mesmo sentido que o da Regra Áurea, mas, na verdade, é necessário perceber a diferença.
O “ama ao teu próximo como a ti mesmo” é diferente do “que vos ameis uns aos outros como eu vos amei”. O primeiro institui um dever, que, para exercê-lo, não é necessário que o homem busque compreender a condição do outro.
Porém, Jesus sabiamente enviou o Novo Mandamento à comunidade cristã, engrandecendo a fórmula. O Mestre se refere a ela na última reunião com seus discípulos. A recomendação “que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei” significa a verdadeira solidariedade, a confiança fraternal e a certeza do entendimento recíproco. A prática do amor verdadeiro de uns para com os outros.
Assim, nos lares, no trabalho, enfim, em todos os lugares, há quem ame e se sinta amado; quem faz o bem e quem saiba agradecer. Quando Chico Xavier era solicitado a deixar uma mensagem para reflexão, muitas vezes ele dizia: “que vos ameis uns aos outros”.
Devemos lembrar, ainda, que Jesus em seu imenso amor, recomendou-nos a amar os nossos inimigos, esclarecendo-nos da necessidade do perdão, de conquistarmos o inimigo pelo amor e pela prática do bem.
Assim ele nos ensina, no Evangelho Segundo o Espiritismo:
“Se o amor ao próximo é o princípio da caridade, amar aos inimigos é a sua aplicação máxima, pois esta virtude é uma das maiores vitórias sobre o egoísmo e o orgulho. Amar aos inimigos, segundo este ensinamento de Jesus, é não ter contra eles nem ódio, nem rancor, nem desejo de vingança. É perdoar-lhes sem impor condições, não colocar nenhum obstáculo à reconciliação. E desejar-lhes todo o bem possível”.
Para finalizar, devemos lembrar que estamos muito longe de compreender, com profundidade, tudo que Jesus nos ensinou. Porém, é necessário que continuemos a estudar, refletir e, sobretudo, praticar seus ensinamentos; ser a “boa terra” para que sua semente possa germinar e produzir bons frutos.
Marly Arruda Camargo
Propusemos a reflexão sobre este tema, baseada em O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo XVII, itens 1, 2 e 3.
O que se entende por perfeição?
Perfeição vem do latim perfectio e designa o estado de um ser cujas virtudes se encontram plenamente realizadas.
Inicialmente, analiso o referido item 1, no qual Jesus destaca as características da perfeição, dizendo-nos:
“Amai aos vossos inimigos; fazei o bem àqueles que vos odeiam e orai por aqueles que vos perseguem e vos caluniam; pois se amais apenas àqueles que vos amam, que recompensa tereis? Sede pois, perfeitos, como vosso Pai Celestial é perfeito.” Matheus 5: 44, 46 e 48.
Deus possui a perfeição absoluta e infinita em todas as coisas, mas isto não significa que os homens possam tornar-se tão perfeitos como Ele.
A razão nos esclarece que isso seria impossível e o Evangelho explica:
“Se fosse dado a criatura ser tão perfeita quanto o Criador, ela O igualaria, o que é inadmissível. E os homens aos quais Jesus se dirigia não tinham condições de compreender essas questões; Por isso, ele se limitou a apresentar-lhes um modelo e dizer que se esforçassem para atingi-lo.”
A luta do Espírito deve ser direcionada para a perfeição relativa a ser conquistada, buscando virtudes cada vez mais nobres, que constituem graus de desenvolvimento moral e espiritual.
Analisando melhor, é preciso entender que a perfeição relativa que a humanidade é capaz de compreender consiste não somente em amar os que nos amam e fazer o bem aos que nos fazem o bem. É muito mais do que isso.
Quando Jesus diz: “Amai aos vossos inimigos; fazei o bem àqueles que vos odeiam e orai por aqueles que vos perseguem e caluniam”, esclarece-nos que a essência da perfeição é a caridade (que é o amor em ação), em seu mais amplo significado, porque ela define a prática de todas as outras virtudes.
O capítulo 13, item 9, de O Evangelho Segundo o Espiritismo, para complementar, refere-se sobre a Caridade Material e a Caridade Moral, explicando que a Caridade Moral, quando bem entendida, pode ser praticada por qualquer um, porque não custa nada de material; porém, é a mais difícil de ser exercida.
Ela consiste na tolerância de uns para com os outros, em saber calar, saber ouvir, saber falar e pode ser realizada de muitas maneiras, por exemplo, em pensamentos (orando pelos irmãos necessitados), em palavras (dando bons conselhos) e em ações.
Devemos entender, ainda, que podemos sempre nos aperfeiçoar, lembrando que Deus nos criou simples e ignorantes, porém, potencialmente perfeitos. E que todos temos o livre arbítrio, com a responsabilidade pelas nossas ações realizadas. Sendo assim, em cada encarnação vamos desenvolvendo a perfeição que existe em nós.
Deste modo, o Espírito tem que desenvolver sua inteligência e evoluir moralmente. É a inteligência que lhe dá a capacidade de descobrir, de raciocinar, de conhecer, de aprender e de criar. Porém, o aprimoramento dos valores morais é importantíssimo e um dos maiores objetivos a ser alcançado pelo homem. Neste contexto, as sábias palavras do Apostolo Paulo (Coríntios 6:12): “Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém.”
Allan Kardec destaca, já no item 2 (cap. XVII de O Evangelho Segundo o Espiritismo), que a consequência de todos os vícios e até mesmo dos pequenos defeitos alteram, de alguma forma, o sentimento de caridade, porque todos eles estão ligados ao egoísmo e ao orgulho, que são sua negação. Tudo o que exalta o personalismo, colocando a pessoa em primeiro lugar e acima dos outros, altera os princípios da verdadeira caridade, que são:
– A benevolência (boa vontade);
– A indulgência (que é a disposição para perdoar, para não julgar);
– A abnegação (renúncia e sacrifício, em favor de alguém);
– O devotamento (dedicação).
Muitos pensam ou falam: – não vou conseguir amar meu inimigo, nem mesmo perdoá-lo.
Emmanuel, no livro Palavras de Vida Eterna, psicografia de Francisco Cândido Xavier, cap. 16, nos esclarece como interpretar melhor o ensinamento de Jesus quando nos disse “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem.” Assim ressalta, com propriedade: “Isso não quer dizer que devamos ajoelhar em pranto e penitência ao pé de nossos adversários, mas sim que nos compete viver de tal modo que eles se sintam auxiliados por nossa atitude e por nosso exemplo, renovando-se para o bem.”
Dessa maneira, quando Emmanuel nos aconselha a viver de tal modo que nossos desafetos se sintam auxiliados, por nossa atitude e nosso exemplo, ele está nos convidando a parar e refletir profundamente sobre nossas responsabilidades para conosco e para com o próximo, com o objetivo de, em seguida, definirmos nossas ações.
Indago aos queridos leitores, qual o melhor caminho a seguir?
1º) Buscar o maior exemplo de perfeição moral que Deus nos enviou: Jesus. Guia e modelo para todos nós, conforme nos ensina a questão 625 de O Livro dos Espíritos.
2º) Evangelizar-nos, tentando praticar as características do “Homem de Bem”, que é o título do item 3 do cap. XVII de O Evangelho Segundo o Espiritismo, escrito pelo próprio Allan Kardec, através do qual ele nos mostra a sua grande sintonia com Jesus e descreve inúmeras características morais que o homem de bem deve ter e, sem dúvida, uma das páginas mais belas do segundo livro da Codificação do Espiritismo.
Assim ele inicia o seu primoroso texto: “O verdadeiro homem de bem é aquele que pratica a lei de justiça, de amor e de caridade, na sua maior pureza. Se questiona sua consciência sobre seus próprios atos, perguntará se não violou essa lei, se não fez o mal, se fez todo o bem que podia, se negligenciou voluntariamente alguma ocasião para ser útil, se ninguém tem queixa dele, enfim, se fez aos outros tudo o que gostaria que lhe fizessem.”
Traz, ainda, inúmeras características do homem virtuoso, do homem evangelizado, do homem de bem:
– É aquele que tem fé em Deus, tem fé no futuro, por isso coloca os bens espirituais acima dos bens temporais;
– Sabe que todas as dores são provas ou expiações e não lamenta por isso;
– Tem o sentimento de caridade e de amor ao próximo, faz o bem pelo bem;
– Respeita nos outros todas as convicções sinceras;
– Em todos os momentos a caridade é o seu guia;
– Não tem ódio, nem rancor, nem desejo de vingança; a exemplo de Jesus, perdoa e esquece as ofensas;
– Estuda suas próprias imperfeições e trabalha sem cessar para combatê-las.
Geralmente, quando iniciamos o estudo e as reflexões sobre o verdadeiro homem de bem, muitas vezes, sem perceber, já ficamos incomodados, questionando sobre o nosso comportamento e isto é muito bom, porque passamos a refletir melhor, concluindo que, muitas vezes, queremos ser um homem de bem, entretanto, sem melhorarmo-nos.
Após esta autoanálise, o caminho é buscar o autoconhecimento e por último o auto-aperfeiçoamento.
A esse respeito, a questão 919 de O Livro dos Espíritos reporta:
“– Qual o meio prático mais eficaz para se melhorar nesta vida?
R: um sábio de antigamente vos disse: ‘Conhece-te a ti mesmo.’”
Mas a dificuldade está justamente em conhecermos a nós mesmos. E qual é o meio de se conseguir isso?
Quem responde é Santo Agostinho, na questão 919a de O Livro dos Espíritos:
“– Fazei o que eu fazia quando estava na Terra; no fim do dia, interrogava minha consciência, passava em revista o que havia feito e me perguntava se não havia faltado com o dever, se ninguém tinha do que se queixar de mim. Foi assim que consegui me conhecer e ver o que havia reformado em mim.”
O livro Jesus e o Evangelho, de Divaldo Franco/Joana de Ângelis, falando sobre a perfeição, traz-nos ensinamentos bem práticos e atuais sobre o tema em análise, que aqui transcrevo:
“O homem e a mulher contemporâneos sofrem de bloqueios profundos no inconsciente a respeito da necessidade da perfeição, encontram-se mais preocupados com a conquista de recursos que lhes darão comodidade hoje e repouso na velhice, descuidando-se do essencial, que é o esforço na busca dos valores espirituais, como terapia e solução para seus conflitos diários.”
Sendo assim, para alcançarmos resultados efetivos, não podemos nunca estar desconectados do amor, que proporciona a transformação das qualidades morais inferiores em sentimentos elevados; ou seja, do egoísmo e orgulho à conquista de inúmeras virtudes, criando campo para o perdão.
Novos desafios da vida familiar
Marly Arruda Camargo
Eu não o conheci.
Meu filho foi embora e eu não o conheci. Acostumei-me com ele em casa e me esqueci de conhecê-lo. Agora que sua ausência me pesa é que vejo como era necessário tê-lo conhecido.
Lembro-me dele. Lembro-me bem em poucas ocasiões.
Um dia, na sala, ele me puxou a barra do paletó e me fez examinar seu pequeno dedo machucado. Foi um exame rápido.
Uma outra vez me pediu que lhe consertasse um brinquedo velho. Eu estava com pressa e não consertei. Mas lhe comprei um brinquedo novo. Na noite seguinte, quando entrei em casa, ele estava deitado no tapete, dormindo e abraçado ao brinquedo velho. O novo estava a um canto.
Eu tinha um filho e agora não o tenho mais porque ele foi embora. E este meu filho, uma noite, me chamou e disse:
– Fica comigo. Só um pouquinho, pai.
Eu não podia, mas a babá ficou com ele.
Sou um homem muito ocupado. Mas meu filho foi embora. Foi embora e eu não o conheci.
Este conto, retirado do livro As laranjas iguais, de Oswaldo França Júnior, que muito nos emociona, reflete o contexto de muitas famílias atuais.
Na realidade, quando o analisamos melhor, ele nos remete a questões muito complexas, conduzindo-nos a pensar sobre o primeiro grande desafio da família atual: o da Convivência.
Não podemos nos esquecer de que conviver em família é muito diferente de viver em família.
Se há dificuldade de convivência, com certeza outros problemas surgirão, muitas vezes difíceis de serem resolvidos.
Segundo Emmanuel, em psicografia de Francisco Cândido Xavier, em Vida e Sexo: "A família é o mais importante instituto social da Terra, do ponto de vista dos alicerces morais que regem a vida".
Ela deve ser compreendida em sua diversidade sócio-econômico-cultural-espiritual, bem como em suas diferentes configurações atuais.
Como é do conhecimento de todos, estamos vivendo uma grande crise de inversão de valores, como a da corrida desesperada pelo material em detrimento do moral e, neste aspecto, a família é a mais atingida, tendo como consequência uma desagregação profunda, nunca vista até hoje.
Esta desagregação familiar, com muita frequência, gera atitudes impulsivas e desequilibradas, levando seus membros a buscar soluções imediatistas, que imaginam ser o caminho mais “fácil” para resolver complexos problemas de relacionamento.
Dizem assim: “… Então cada um toma conta de sua vida.”
Este rompimento de laços familiares ocorreu, porque hoje, infelizmente, as pessoas vivem sob o mesmo teto, cultivando mágoas, ressentimentos, isolamento, falta de diálogo. Enfim, mal conseguem tolerar-se.
Há muitos pais, inclusive, que abandonam seus filhos, os quais se tornam órfãos de pais vivos.
E nesta perda total dos vínculos familiares os mais prejudicados são as crianças, que crescem sem nenhuma referência de família.
Podemos concluir sem a menor dúvida: a família se encontra adoecida!
A questão 775 de O Livros dos Espíritos nos explica: Qual seria para a sociedade o resultado do relaxamento dos laços de família?
Um agravamento do egoísmo.
Sabemos que para combater-se o egoísmo há a necessidade da prática da humildade, aprender a conviver com as diferenças que existem em todas as famílias, pois é no lar que ocorre o reencontro de Espíritos para os reajustes necessários.
A família é a primeira escola, e o grande teste para combater-se o orgulho e o egoísmo; ela tem que ser vista como um todo: crianças, adultos e idosos integrados.
Ao mesmo tempo, deve desenvolver, através da convivência, o auxílio e respeito mútuos, através da prática da humildade, do perdão, tolerância, paciência, compreensão, renúncia e, sobretudo, muito amor.
É, assim, a grande oportunidade para a autoeducação.
Em relação aos filhos, por exemplo, quando nasce uma criança, ou melhor, quando se espera um bebê, os pais começam a imaginar:
– Como será o seu rostinho?
– Vai parecer-se com quem?
– Como será o seu futuro?
– Irá casar-se? Teremos netos?
Todos estes questionamentos são muito saudáveis, porém nunca devem esquecer de perguntar-se: – Estamos preparados para educá-lo?
E este é outro grande desafio da família atual: a educação dos filhos.
O Evangelho Segundo o Espiritismo, no capítulo 14, item 9, faz-nos um importante alerta: "Desde o berço, a criança manifesta os instintos bons ou maus que trazem de sua existência anterior; é preciso observá-los; todos os males têm origem no egoísmo e no orgulho. Analise os menores sinais e se esforcem em combatê-los antes que criem raízes".
Fica, então, bem claro que a formação familiar tem como grande objetivo, entre outros, diminuir o egoísmo e o orgulho presentes no ser humano. Com isto, há um incentivo para desenvolver a solidariedade, o bem querer e de fortalecer, pouco a pouco, os laços de amor, permitindo que um passe a pensar no outro, sacrificar-se pelo outro, deixando o egoísmo de lado.
Na sequência em que chegam os filhos, os cônjuges se unirão, somando esforços, a fim de educarem, com elevada dedicação, os filhos que foram colocados aos seus cuidados e, por sua vez, o combate ao egoísmo continuará sendo exercitado.
Portanto, os pais não podem esquecer que têm uma missão e devem fazer o máximo para cumpri-la.
A questão 582 de O Livros dos Espíritos é bem clara a esse respeito: Pode a paternidade ser considerada uma missão?
É, sem dúvida, uma missão, e é ao mesmo tempo um dever muito grande que obriga, mais que o homem pensa, sua responsabilidade diante do futuro. Deus colocou a criança sob a tutela de seus pais para que eles a dirijam no caminho do bem, e facilitou a tarefa, dando a criança um organismo frágil e delicado que a torna acessível a todas as influências. Muitos há, no entanto, que mais cuidam de aprumar as árvores do seu jardim e de fazê-las dar bons frutos em abundância, do que de formar o caráter de seu filho. Se este vier a sucumbir por culpa deles, suportarão os desgostos resultantes dessa queda e partilharão dos sofrimentos do filho na vida futura, por não terem feito o que lhes estava ao alcance para que ele avançasse na estrada do bem.
Deste modo, compete aos pais procurar unir todos os esforços para uma boa convivência, porque assim se torna mais fácil educar.
A educação é a arte de formar caráter, assim, a criança e o jovem têm que ser amparados em todos os aspectos: psicológico, biológico, afetivo e espiritual, até a idade adulta.
Quanto à educação, os pais devem estar bem preparados para muitos desafios, porque, atualmente, as influências externas que os filhos recebem são muito grandes e estas devem ser analisadas e bem orientadas, como as da televisão, da internet, do smartphone, pressão da sociedade, questões como a sexualidade, relacionamentos amorosos etc.
Ainda sobre a educação, vejamos o que nos diz Divaldo Franco, em seu livro Compromissos de amor, em um belo texto ditado pelo espírito Amélia Rodrigues.
A verdadeira educação é aquela que tem caráter global proporcionando hábitos morais saudáveis formadores do caráter, da personalidade, integrando a essência espiritual, e cujas conquistas são transferidas de uma para outra encarnação.
Esta educação tem que ser conduzida nos métodos psicopedagógicos da atualidade, e ampliados com a compreensão espiritual.
Este processo concentra-se no amor, direcionando a educação intelectual e moral.
Neste sentido, a família sempre desempenha um papel de grande importância, porque o lar sendo a primeira escola, o exemplo é fundamental.
Educar-se para melhor educar, eis o grande desafio.
Muitos pais perguntam, quando têm dificuldades com os filhos:
– Onde foi que errei se dei a mesma educação a todos?
O erro está aí. Cada espírito exige um tipo de educação, mas os pais não percebem isto.
Outro engano é quando os pais criam os filhos como se não fossem conviver com a sociedade.
Façamos a seguinte pergunta e reflitamos bem: Estou educando para mim ou para a vida?
Se estou educando para mim, devo trabalhar bastante o egoísmo, pois antes de ser nossos filhos, são filhos de Deus.
O Evangelho Segundo o Espiritismo, no capítulo XIV, item 9, traz-nos outro grande ensinamento:
…Espíritas! Compreendei o grande papel da humanidade, compreendei que quando se gera um corpo, a alma que nele reencarna vem do espaço para progredir. Cumpri vossos deveres e colocai todo o vosso amor ao aproximar essa alma de Deus; esta é a missão que vos está confiada e recebereis a recompensa se cumprires fielmente.
Vossos cuidados, a educação que lhe dareis, ajudarão o seu aperfeiçoamento e o seu bem-estar futuro.
Lembrai-vos que a cada pai e a cada mãe Deus perguntará:
– Que fizeste do filho confiado a vossa guarda?
Pois bem. Sabemos que os desafios da família atual são inúmeros. Tentamos fazer um apanhado geral, entendendo que cada família necessita perceber suas fragilidades e trabalhar para vencê-las.
Amigos leitores, queridos pais, queremos lembrar, mais uma vez, que em cada momento, nas coisas mais simples, surge a oportunidade de manter uma boa convivência, para o fortalecimento dos laços familiares.
Quando seu filho pedir “- fique comigo só mais um pouquinho…” é a oportunidade de oferecer-lhe uma atenção de qualidade, mesmo que seja breve. Converse com ele, diga que o ama.
Para ele, uma olhada em seu pequeno machucado é um gesto de atenção e carinho. Seu filho está apenas querendo dizer, preste atenção em mim, eu preciso de você.
Ele também não quer um brinquedo novo, ele quer apenas um pouco de sua companhia.
Somos todos muito ocupados, mas podemos organizar nosso tempo, repensar nossas prioridades para que no futuro, quando seu filho for adulto, formar sua família e não estiver com você, estes laços já estejam muito consolidados e com certeza você possa dizer:
– Eu o conheci. Nós nos amamos!

